sábado, 29 de março de 2014

Vencidos da Vida

Vencidos da Vida é o nome por que ficou conhecido um grupo informal formado por personalidades intelectuais de maior relevo da vida cultural portuguesa das últimas três décadas do século XIX, com fortes ligações à chamada Geração de 70. O nome do grupo, ao que parece, foi adoptado por sugestão de Joaquim Pedro de Oliveira Martins e decorre claramente da renúncia dos seus membros às aspirações da juventude.





O grupo reunia-se para jantares e convívios semanais no Café Tavares, no Hotel Bragança ou nas casas dos seus membros, tendo-se mantido activo entre 1887 e 1894.
Os Vencidos da Vida foram definidos pelo escritor Eça de Queiroz - um dos seus membros tardios - como um grupo jantante. O grupo assumia o carácter de uma sociedade exclusivista, congregando vultos da literatura, da política e frequentadores das rodas mundanas e aristocráticas.
Entre Vencidos estavam alguns dos intelectuais e políticos que tinham gizado a tentativa de transformação do país subjacente à fase tardia da Regeneração. Em face do percebido insucesso desse processo modernizador, canalizaram o seu desencanto e a frustração dos seus ideais revolucionários da juventude para um diletantismo elegante e irónico. Surge assim a idealização vaga de uma aristocracia iluminada como contraponto do socialismo utópico que alguns deles haviam defendido anteriormente.
O grupo incluía, entre outros, José Duarte Ramalho Ortigão, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, António Cândido Ribeiro da Costa, Guerra Junqueiro, Luís de Soveral, Francisco Manuel de Melo Breyner (3.° conde de Ficalho), Carlos Félix de Lima Mayer, Carlos Lobo de Ávila, Bernardo Pinheiro Correia de Melo (1º Conde de Arnoso) e António Maria Vasco de Mello Silva César e Menezes (9.º conde de Sabugosa). Eça de Queirós integrou o grupo a partir de 1889.
Apesar de se dizerem "vencidos", a actividade do grupo acabou por fazer renascer e crescer entre os seus membros uma nova esperança, pois se tornaram influentes junto do príncipe herdeiro e, após a morte de D. Luís I, em 1889, passaram a influenciar o novo rei, D. Carlos I. Nesse contexto, Eça de Queiroz escreveu na Revista de Portugal logo que o príncipe subiu ao trono: O Rei surge como a única força que no País ainda vive e opera.
Chegaram a julgar que se abriria um novo ciclo político, acreditando que, por intermédio de um acrescido papel do rei e de uma nova política externa liberta da velha aliança com a Inglaterra, seria possível debelar a crise provocada pelo regime oligárquico da Carta. Contudo, o assassínio de D. Carlos e do príncipe D. Luís Filipe acabou por deitar por terra as suas últimas esperanças.
A publicidade feita em torno das actividades do grupo pelo jornal O Tempo, editado por Carlos Lobo de Ávila, levou a que a denominação suscitasse a troça de muita da intelectualidade lisboeta, resultado do misto de desdém e de inveja que sempre têm caracterizado o relacionamento entre os membros da intelectualidade portuguesa. Esse clima de ressentimento e troça em certos sectores da vida lisboeta, conduziu a que os seus membros fossem criticados e satirizados. Sobre o tema, o dramaturgo Abel Botelho escreveu em 1892 a peça intitulada Os Vencidos da Vida, que acabou por ser proibida pela polícia, dada a violência da sátira e dos ataques pessoais nela contidos.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Conferências Democráticas do Casino Lisbonense

O grupo de jovens intelectuais que se revoltaram contra Castilho na "Questão Coimbrã" juntou-se novamente após a conclusão dos cursos e formam o cenáculo.
No cenáculo nasceu o protejo das conferencias democráticas do Casino Lisbonense, uma consequência natural de discussões ideológicas que decorria durante reuniões.  
O principal objetivo das reuniões era reflectir acerca dos problemas responsáveis pelo estado de decadência do país e pelo seu afastamento em ralação a Europa culta. Tinham como objetivo colocar portugal a par da actualidade europeia, ligando-o ao "movimento moderno", agitando na opinião pública "as grandes questões da Filosofia e da Ciência Moderna" e estudando as "condições de transformação politica, económica e religiosa da sociedade portuguesa"
Em 1871, numa altura em que no panorama internacional decorriam inúmeros acontecimentos, como a Comuna de Paris, a unificação da Itália e as Guerras na Polónia e na Irlanda, surgiram As Conferencias Democráticas do Casino Lisbonense, que pretendia abordar temas muito diversificados.

Sequências de conferências:



































 As conferências foram interrompidas por ordem ministral do marquês  de Ávila e Bolama, onde se alegava que estas se tinham sustentado em "doutrinas e proposições que atacavam a religião e as instituições políticas do Estado".
Estavam ainda anunciadas as seguintes conferências, que espelhavam a pluralidade de temas que os seus mentores pretendiam abordar:

-Os Historiadores Críticos de Jesus, de Salomão Saraga;
-O socialismo, de Batalha Reis;
-A república, de Antero de Quental;
-A instrução Primária, de Adolfo Coelho;
- Dedução Positiva da Ideia Democrática, de Augusto Fushini.

Os conferencistas reagiram contra a proibição com um protesto público, com o qual se solidarizaram vários intelectuais, como Alexandre Herculano, que acudiram em defesa da liberdade de expressão.



Transferido de:  http://port11.wordpress.com/os-maias/

quarta-feira, 26 de março de 2014

Geração de 70

A Geração de 70, também conhecida por "Dissidência de Coimbra", começou por ser constituída por um grupo de jovens intelectuais da ultima metade do século XIX, do qual fizeram parte alguns dos maiores vultos da literatura português, como Antero de Quental, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão,  Teófilo Braga e Guerra Junqueiro. Este grupo de jovens afirmou-se como elite intelectual entre 1865, data do polémico testo de Antero de Quental contra Castilho ("Bom senso e Bom gosto"), e 1871, data das Conferências do Casino.

Na década de 1870, Portugal vivia os efeitos dos movimentos do Fontismo e da Regeneração. A geração de 70, claramente voltada para os valores da educação e da cultura, rebelou-se contra o progresso predominantemente material e mercantilista de Fontes Pereira de Melo. Manifestando um grande descontentamento face a situação politica, cultural e social do país, os membros da geração de 170 defendia uma maior abertura e receptividade de Portugal à cultura europeia e a urgência de uma reforma cultural do país.




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terça-feira, 25 de março de 2014

Bibliografia de Eça de Queirós

Bibliografia


  • O Mistério da Estrada de Sintra (1870)
  • O Crime do Padre Amaro (1875) 
  • A Tragédia da Rua das Flores (1877-78)
  • O Primo Basílio (1878) 
  • O Mandarim (1880) 
  • As Minas de Salomão (1885) (tradução) 
  • A Relíquia (1887) 
  • Os Maias (1888) 
  • Uma Campanha Alegre (1890-91)
  • O Tesouro (1893)
  • A Aia (1894)
  • Adão e Eva no paraíso (1897)
  • Correspondência de Fradique Mendes (1900) 
  • A Ilustre Casa de Ramires (1900) 
  • A Cidade e as Serras (1901, póstumo) 
  • Contos (1902, póstumo) 
  • Prosas Bárbaras (1903, póstumo)
  • Cartas de Inglaterra (1905, póstumo) 
  • Ecos de Paris (1905, póstumo)
  • Cartas familiares e bilhetes de Paris (1907, póstumo)
  • Notas contemporâneas (1909, póstumo)
  • Últimas páginas (1912, póstumo)
  • A Capital (1925, póstumo)
  • O Conde de Abranhos (1925, póstumo)
  • Alves & Companhia (1925, póstumo)
  • Correspondência (1925, póstumo)
  • O Egipto (1926, póstumo)
  • Cartas inéditas de Fradique Mendes (1929, póstumo)
  • Eça de Queirós entre os seus - Cartas íntimas (1949, póstumo).


 
Capa do livro Os Maias

Linguagem e estilo de Eça

Os Maias distinguem-se no quadro da literatura nacional, não só pela originalidade do tema, mas também pela destreza e mestria com que o autor conta o romance. De facto, tanto a crítica social, como a intriga amorosa são valorizadas pelo rigor e beleza dos vocábulos utilizados.
Por exemplo, o impressionismo, bem patente, caracteriza-se pela frequência de construções impessoais, uma vez que o efeito é percepcionado independentemente da causa, ficando, portanto, o sujeito para segundo plano; percepções de tipo diferente traduzindo ironia; frequência da hipálage (transposição de um atributo de gente para a acção). Relativamente aos substantivos e adjectivos, a obra de Eça contem muito mais adjectivos do que substantivos.
É frequente o contraste substantivo concreto qualificado com um adjectivo abstracto ou vice-versa.
Os adjectivos tem uma função musical e rítmica completando a linha melódica da frase.
O advérbio toma, em Eça, funções de atributo e a sua acção alcança o sujeito ou o objecto. Assim, Eça ampliou o número de advérbios de modo que a linguagem proporcionava, derivando-os dos adjectivos.
O verbo oferece a alternância dos seus sentidos - próprio ou figurado, e o escritor tem de escolher um ou outro. Estes podem invocar conceitos subjectivos múltiplos sem deixarem, por isso, de descrever aspectos das coisas.
Eça utiliza o estilo indirecto livre. Este tipo de discurso permitia-lhe: libertar a frase dos verbos muito utilizados e da correspondente conjugação integrante (ex.: disse que); permitia-lhe, também, aproximar a prosa literária da linguagem falada; conseguia impersonalizar a prosa narrativa dissimulando-se por detrás das suas personagens.
N' Os Maias, existem em maior ou menor grau todos os níveis de linguagem. Da linguagem familiar à linguagem infantil, popular e também neologismos (ex.: Gouvarinhar). Esta obra é muito rica em figuras de estilo, o que lhe concede um cunho particularmente queirosiano. Aliterações, adjectivações, comparações, personificações, enchem Os Maias do início ao final da obra.
Vejamos, então alguns dos processos pelos quais Eça conseguiu uma grande força evocativa, num verdadeiro magnetismo das palavras:


  • Adjectivo expressivo
A adjectivação é em Eça um poderoso agente evocativo, reflectindo a maneira estética de ver a realidade e dando origem a uma linguagem precisa e ao mesmo tempo aberta à imaginação. Exemplifiquemos:

a) Adjectivação imprópria
"Amaro, com o odioso guarda-chuva entre os joelhos"
. Note-se que o adjectivo odioso, aplicado a guarda-chuva, tem a intenção de atingir Amaro (Hipálage). O mesmo se verifica na frase: "Propício tem um leito de ferro filosófico e virginal".

b) Adjectivação animista ou prosopopeica
"A pressa esperta e vã dos regatinhos e todas as contorções do arvoredo e o seu resmungar solene e tonto". "Os velhos carvalhos violentos e proféticos, os choupos desfalecidos, onde o vento vaga aflito..."
Com esta fusão do mundo físico com o moral, tão do agrado de Eça, a natureza ganha vida e solidariza-se com o homem. Veja-se também o animismo presente na descrição do Ramalhete e espaço circundante (página 710).

c) Adjectivação hiperbólica
"Era uma velha hedionda..." "...as suas digestões monstruosas..." "Caminhou para ela com passos marmóreos que faziam oscilar o tablado".
Estes exageros dão-nos, no geral, imagens caricaturais, burlescas.

d) Adjectivação antitética
"Ela mostrava o seu lindo espanto" (fingia-se espantada para mostrar a sua beleza).
"...ri num doloroso riso deste mundo burlesco e sórdido".
Estes grupos antitéticos exprimem a síntese de sensações contraditórias.

e) Adjectivação de linhas imprecisas
"Abria um olho vago..." "...uns sons de piano dolente e vago".
Eça emprega centenas de vezes o adjectivo vago, para criar um ambiente de mistério.

f) Adjectivação binária ou dupla adjectivação
"Salomé dançou nua e deslumbrada". "Os olhos do gato fixaram-no fosforescentes e aterradores".
De notar, nos dois pares, que o primeiro adjectivo exprime uma característica física e o segundo, moral. Trata-se de percepções duais, são as duas faces da realidade.
"Aquela mulher que qualquer podia ser, sobre um sofá, fácil e nua". 
Aqui já é o primeiro adjectivo que exprime uma nota subjectiva e o segundo, objectiva.

g) Adjectivação adverbial
"Adélia fumava um cigarro lânguido".
O adjectivo lânguido liga-se a Adélia (lânguida) e à acção de fumar (languidamente).



A colocação do adjectivo obedece não apenas ao sentido, mas também ao ritmo da frase.
Na frase "Ela mostrava o seu lindo espanto", o adjectivo vem antes do nome, adjectivação anteposta, porque o que pretende realçar é a beleza que o espanto confere à senhora; mas na frase "via moverem-se ali mil figuras voluptuosas e sinistras, trágicas, disformes, irónicas, apaixonadas, ciosas e lívidas", a sequência dos adjectivos já obedece mais ao ritmo da frase.
Na adjectivação binária é vulgar colocar um adjectivo antes e outro depois do nome, adjectivação anteposta e posposta): "vago sorriso exausto", em vez de "vago e exausto sorriso", ou de "sorriso vago e exausto".

  • Advérbio expressivo
Como palavra volumosa que é, o advérbio de modo serve admiravelmente o ritmo e a musicalidade da frase: "Falou de si constantemente, irresistivelmente, imoderadamente". Tem além disso, como como o adjectivo, um grande poder sugestivo, como se pode ver pelas seguintes modalidades:

a) Advérbio impressionista
"Quando entrava no café toda a gente se curvava palidamente sobre o periódico" (o advérbio atinge o sujeito e a acção: curvava-se e empalidecia).

b) Advérbio metafórico (de uso impróprio)

"Não ousava fumar no café... devia recolher-se virginalmente à noitinha (como se fosse virgem).
"...foi levá-lo preciosamente a Coimbra" (como se fosse uma coisa preciosa).





c) Advérbio de efeito cómico

"Beatas com grossos rosários enfiavam gulosamente para a Igreja"; "estava sentado na chaminé cuspilhando tristemente para as cinzas".
O cómico está no facto de o advérbio gulosamente (que se refere sempre ao material, à comida) estar aqui ligado ao espiritual (Igreja); e o advérbio tristemente (que em si denota o psíquico) estar aqui ligado a cuspilhando (acção grosseiramente material).





d) Advérbio aliado ao objectivo

"Carlos achava esta palavra melancolicamente estúpida" (melancólica e estúpida).

"horrivelmente bem falante" e "atrevidamente tímida" (antitético em relação ao adjectivo).

"cabelos magnificamente negros (superlativação).


e) Advérbio antitético do verbo
"Dâmaso sorria também lividamente"

"O grande Dornan mamava majestosamente um imenso charuto". Note-se que o advérbio majestosamente, que sugere a ideia de dignidade, se liga precisamente à forma verbal mamava que no contexto aponta para uma atitude burlesca.

  • Verbo expressivo
O verbo surge não apenas como enunciador da acção, ou como elemento de ligação, mas também como metáfora, criador de um ambiente de fantasia e de mistério, ou conotador do burlesco, como se poderá constatar nas seguintes modalidades:

a) Verbo expressivo por fugir ao trivial, ao usado
"Maurício atirou um gesto desdenhoso e largo que sacudia o mundo".
"André ondeou um gesto de desconsolo".
Há a tendência de pôr de parte os verbos já gastos de elocução, como dizer, exclamar, responder, banindo-os no discurso directo: "Julião coçou convulsivamente a caspa e erguendo-se:
- Está muito bom, está muito bom, conselheiro"; ou suprimindo-os, também, no discurso indirecto livre:
"Ega contava com Carlos para lhe fornecer esses requintes, ali no Ramalhete...
- Há cá um quarto para mim? Eu por ora estou no Hotel Espanhol, mas ainda nem mesmo abri a mala...
Decerto! Havia o quarto em cima, onde ele estivera depois de deixar a vila Balzac".
Este último parágrafo é a resposta de Carlos e discurso indirecto livre, suprimindo-se:Carlos respondeu que decerto...

b) Verbo de tom cómico e caricatural

"...o sacristão bramiu um requiem tremendo";
"A tia Patrocínia uivou de furor";
"Madame F. apagou o riso toda séria";
"...é um bárbaro besuntado com literatura do séc. XVIII..."

c) Verbo de valor hiperbólico

"Uma formidável moça de enormes peitos entrou esmagando o soalho..."

d) Verbo sugestivo por dele dependerem dois elementos antitéticos, um físico, outro moral: "Rufino reluzia todo de orgulho e de suor".

  • Uso dos tempos verbais
Eça na sua fase realista/impressionista via a realidade no seu constante fluir. Daí a supervalorização do imperfeito verbal, o tempo do devir inacabado. Com a mesma intenção valorizou também a gerúndio, que igualmente exprime a continuidade, o fluir. A linguagem torna-se assim mais impressionista, mais cinematográfica, criando no leitor a ilusão do deslizar dos acontecimentos, da continuidade da vida. O imperfeito é o tempo usado precisamente no discurso indirecto livre, que constitui uma das inovações mais notáveis da prosa de Eça, libertando a frase de verbos declarativos, aproximando-a da linguagem falada, quebrando a monotonia do discurso directo/indirecto e permitindo ao narrador dissimular-se por detrás das personagens por meio da focalização interna.
  • A frase
Eça de Queirós prosseguiu o trabalho de modernização da prosa portuguesa, já começado por Garrett. Assim. e tal como ele, evolucionou para o uso das frases curtas, para a preferência da ordem directa, para o tom oralizante do diálogo e para a variedade de discursos com a vulgarização do discurso semi-indirecto ou indirecto livre.
Eça, na sua contínua luta por conseguir uma forma de expressão bela e expressiva, debateu-se perante uma antinomia, balançando-se entre dois pólos: o Realismo/Naturalismo e o Parnasianismo/Simbolismo (que nesse tempo já vogorava na França). É o que ele exprimia por esta frase que foi o seu lema de artista: "Sobre a nudez forte da verdade (realismo), o manto diáfano da fantasia" (simbolismo).