sexta-feira, 4 de abril de 2014

Cesário Verde- Binómio Cidade /Campo


Campo/cidade: campo, símbolo do amor e da felicidade no passado; cidade, símbolo da confusão no amor e da infelicidade - no presente. No presente, ao campo opõe-se não só a cidade onde vive o poeta, mas também o convento, onde vive a mulher amada. Cidade e convento identificam-se: para o poeta, a cidade é a morte e para a mulher amada, o convento é sepultura. A mulher bonita, no campo, vive com alegria e, na cidade/convento, a mulher é tristíssima.

A Cidade

Cesário Verde viveu no período histórico de grandes transformações sociais: o nascimento da grande indústria, o desenvolvimento dos transportes e comunicações, a formação da alta burguesia. O poeta assistiu às sucessivas fases de lançamento da via-férrea nacional, à expansão do sistema rodoviário, ao advento da engenharia civil e testemunhou vários melhoramentos modernos: o telégrafo, a iluminação a gás ns ruas, os transportes colectivos, os primeiros candeeiros eléctricos.
Lisboa, nos tempos de Cesário Verde, era pequena (200 mil habitantes), desconfortável e, sobretudo, insalubre, doentia, devido à insuficiência de água fornecida ao domicílio, à insuficiência de esgotos, à acumulação de despejos nas ruas, aos estrumes dos currais, etc...
Cesário começou a passear e a reparar nas ruas da sua cidade, a observar as atmosferas mórbidas e sensuais, a absorver-lhes todo o cheiro, todo o ruído, a examinar o pavimento das vias e o feitio dos transeuntes. Espreitou pelas janelas e viu o que se passava nos seus interiores. Entrou nos comércios e cafés e inventariou coisas e pessoas.
Todas estas pessoas e coisas são produtos típicos da evolução que Lisboa sofreu no tempo de Cesário: a revolução do vapor na indústria e nos transportes, a invasão da técnica, o proletariado, o urbanismo – higiene pública, iluminação, pavimentação de ruas, construção de bairros, etc.
Engolfado nesta realidade citadina, Cesário sente-se preso, diminuído, oprimido. As pessoas humildes causam-lhe pena e suscitam-lhe expressões de revolta as agruras a que a vida as sujeita. Cesário sente-se nevrótico, cheio de tédio, com ânsias de fugir não sabe para onde, ou talvez saiba: em busca da perfeição das coisas.
Ao deambular pela cidade, observando e descrevendo, o poeta deixa antever o gosto por um espaço mais puro e natural.
Ao nível pessoal, a cidade significa a ausência de valores humanos, a impessoalidade, a ausência de contactos humanos, a impossibilidade ou a perversão do amor; a nível social, a cidade significa opressão, exploração, diminuição do Homem. Cesário tenta ultrapassar esta limitação da cidade através da comunhão com o campo, com o qual se identifica e se sente revitalizado.
O Campo

Os momentos deliciosos que passou na quinta de Linda-a-Pastora, cultivando fruta para exportar, arrancaram-lhe expressões de entusiasmo pelas fainas agrícolas, pela saúde que se goza na vida ao ar livre, que o transformam num camponês que «andava preso em liberdade pela cidade», olhando para as casas como se olha para as árvores.
Em oposição ao carácter doentio da cidade, Cesário prefere o campo. Nele encontra o que na cidade vê não existir: "Bons ares! Boa luz! Bons alimentos". O campo serve para Cesário como elemento revitalizador. O simples contacto com os seus diversos elementos transformam-no num ser robusto, vivo, dinâmico.
O Campo é a representação dos valores humanos, do contacto humano, da aproximação entre os seres, do trabalho honesto e árduo, da convivência salutar entre o Homem e a Natureza. Daí que o poeta nutra natural simpatia, apreço e ternura por tudo o que esteja ligado ao espaço rural.


Notas: podemos induzir como características essenciais da poesia de Cesário o seu carácter deambulatório (poesia do transeunte), uma vez que a sua poesia é um relato do que observa enquanto deambula, caminha pelas ruas da sua cidade; o impressionismo, pois, ao descrever o que observa, deixa transparecer as impressões que a realidade lhe suscita; as constantes sinestesias e duplas adjetivações.
A lírica de Cesário é uma poesia do quotidiano. Com uma atitude impressionista, descreve e analisa a paisagem, através de uma perspectiva pictórica, num apelo constante às sensações visuais.