Poemas de Ricardo Reis:
Vivem em nós inúmeros
Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.
Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.
Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu escrevo.
Amo o que vejo
Amo o que vejo porque deixarei
Qualquer dia de o ver.
Amo-o também porque é.
No plácido intervalo em que me sinto,
Do amar, mais que ser,
Amo o haver tudo e a mim.
Melhor me não dariam, se voltassem,
Os primitivos deuses,
Que também, nada sabem.
Análise do poema de Ricardo Reis "Amo o que vejo"
Analise externa
Divisão métrica
A/mo/o/que/ve/jo/por/que/dei/xa/rei ( Decassílabo)
Estrofes
Tem três estrofes, cada estrofe composta por três versos chamando-as de terceto
Rimas
Este poema é composto por versos soltos e por uma rima interpolada (“(…) dia de o ver,/(…) mais que ser,”)
Recursos estilísticos
Eufemismo (“Amo o que vejo porque deixarei/Qualquer dia de o ver.”)
Hipérbato (“Melhor não me dariam(…)”)
Hipérbole (“(…)amo o haver tudo e a mim.”)
Perífrase (“No plácido intervalo em que me sinto, (…)”)
Análise Interna
O poema tem como principais características:
. Efemeridade da vida ;
. A inevitabilidade da morte e por sua vez a sua aceitação calma e serena da ordem das coisas.
Poemas de Alberto Caeiro:
Agora que sinto amor
Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
Sou do tamanho do que vejo
Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Análise do poema de Alberto Caeiro "Agora que sinto amor"
Poemas de Álvaro Campos:
Bicarbonato de Soda
Súbita, uma angústia...
Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!
Que esterco metafísico os meus propósitos todos!
Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço...
Renego.
Renego tudo.
Renego mais do que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.
Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na
circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?
Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir...
E--xis--tir ...
Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!
Renunciar de portas todas abertas,
Perante a paisagem todas as paisagens,
Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconsequência da superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!
Que verão agradável dos outros!
Dêem-me de beber, que não tenho sede!
Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!
Que esterco metafísico os meus propósitos todos!
Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço...
Renego.
Renego tudo.
Renego mais do que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.
Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na
circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?
Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir...
E--xis--tir ...
Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!
Renunciar de portas todas abertas,
Perante a paisagem todas as paisagens,
Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconsequência da superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!
Que verão agradável dos outros!
Dêem-me de beber, que não tenho sede!
Eu
Eu, eu mesmo...
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar. —
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeito? Incógnito? Divino?
Não sei...
Eu...
Tive um passado? Sem dúvida...
Tenho um presente? Sem dúvida...
Terei um futuro? Sem dúvida...
A vida que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu...
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar. —
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeito? Incógnito? Divino?
Não sei...
Eu...
Tive um passado? Sem dúvida...
Tenho um presente? Sem dúvida...
Terei um futuro? Sem dúvida...
A vida que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu...
Poemas de Fernando Pessoa:
SOU O FANTASMA DE UM REI Sou o fantasma de um rei Que sem cessar percorre As salas de um palácio abandonado... Minha história não sei... Longe em mim, fumo de eu pensá-la, morre A ideia de que tive algum passado... Não sei se sou o sonho Que alguém do outro mundo esteja tendo... Creio talvez que estou Sendo um perfil casual de rei tristonho Numa história que um deus está relendo... | |||
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.
Análise do poema de Fernando Pessoa "Autopsicografia":
O título do poema é "Autopsicografia", e analisando o significado de cada elemento desta palavra, Auto+psico +grafia, somos remetidos para a análise dos mecanismos psicológicos envolvidos na própria escrita.
"O poeta é um fingidor" é o tema apresentado no poema. Significa que, no poema, o poeta finge uma dor que não conhecida com a dor sentida na realidade. Essa, mesmo como ponto de partida para a escrita, não é a dor escrita, pois esta é uma invenção (uma transfiguração) criada pela imaginação. OS leitores, ao lerem o poema, sentem uma dor, mas não a que o poeta sentiu, nem a que ele escreveu, que é a sua não dor.
A última estrofe apresenta, de forma metafórica, a relação entre a razão e o coração. O coração é apresentado como um comboio de corda, um brinquedo que se move orientado pelos carris em que se move. A razão é uma realidade a parte, mas simultaneamente estimulada ("entretida") pelo coração.
De acordo com o poema, a criação poética assente no fingimento, na medida em que um poema não traduz aquilo que um poeta sente, mas sim o que imagina a partir do anteriormente sentido. O poeta é um fingidor que escreve uma emoção fingida, pensada, fruto da razão e da imaginação, não a emoção sentida pelo coração que apenas chega ao poema transfigurada na tal emoção poeticamente trabalhada. O leitor não sente nem emoção vivida pelo poeta, nem a a emoção por ele imaginada no poema, apenas a que nele próprio (litor) é provocada pelo poema, mas é diferente da do poema. A poesia é a intelectualização da emoção.
|