terça-feira, 6 de maio de 2014

Génese dos heterónimos - "Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro"

A origem dos heterónimos é o fundo traço da histeria que existia em Pessoa. A origem mental dos seus heterónimos esteve na sua tendência constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos não se manifestam na sua vida prática, exterior e de contacto com os outros, sendo, que Fernando Pessoa os vive a sós. 


Conhecem-se à volta de 72 heterónimos de Pessoa, contudo, existem três que são mais conhecidos e tem uma maior importância, que são Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. 

Confirmação a partir da carta de Fernando Pessoa:
"A origem dos meus heterónimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia que a histeria, propriarmente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos — felizmente para mim e para os outros — mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contacto com outros; "

"Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra gente, nunca me saiu da imaginação. Teve várias fases, entre as quais esta, sucedida já em maioridade. Ocorria-me um dito de espírito, absolutamente alheio, por um motivo ou outro, a quem eu sou, ou a quem suponho que sou. Dizia-o, imediatamente, espontaneamente, como sendo de certo amigo meu, cujo nome inventava, cuja história acrescentava, e cuja figura — cara, estatura, traje e gesto — imediatamente eu via diante de mim. E assim arranjei, e propaguei, vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ainda hoje, a perto de trinta anos de distância, oiço, sinto, vejo. Repito: oiço, sinto vejo... E tenho saudades deles."

"Mais uns apontamentos nesta matéria... Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Alvaro de Campos. Construi-lhes as idades e as vidas. "


 Alberto Caeiro nasceu de uma partida que Pessoa queria fazer a Sá-Carneiro ( inventar um poeta bucólico e apresentar-lho em qualquer espécie de realidade). Não conseguindo elaborar nenhuma poema, Fernando Pessoa decide desistir. Nesse mesmo dia escreve poemas a fio, abrindo com o título "O Guardador de Rebanhos".Assim, nesse momento apareceu o Mestre, Alberto Caeiro. Nasceu em Lisboa,em 1889, porém viveu quase toda a sua vida no campo, sendo assim conhecido como o poeta da natureza. Apresenta estatura média, era louro, sem cor, de cara rapada, olhos azuis.Não tinha profissão, apenas possuía instrução primária.  Perdeu os pais quando era novo, tendo ficado a viver com uma tia-avó, já velha.  Pessoa escrevia em nome de Alberto Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular o que iria escrever.


Na carta:
"Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro — de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira — foi em 8 de Março de 1914 — acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. "

"Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. "

"Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. "

"...o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; "

"Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma — só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó."

"Como escrevo em nome desses três?...Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever..." 

"...ao passo que Caeiro escrevia mal o português..."



Ricardo Reis, conhecido como o poeta mais clássico dos heterónimos pessoanos,  nasceu em 1887, no Porto.  Este é descrito por Pessoa como sendo um pouco mais baixo, mais forte e mais seco que Álvaro de Campos e com cara rapada.  Ricardo Reis, médico, viveu no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico,foi educado num colégio de jesuítas. É um latinista por educação alheia e um semi-helenista por educação própria. 


Na Carta:
"...Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis)."

"Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. "

"Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. "

"Reis de um vago moreno mate;"

"Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria..."

"Como escrevo em nome desses três? Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode."

"...Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. O difícil para mim é escrever a prosa de Reis "

Álvaro de Campos, era o heterónimo mais histerico de todos. Nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890, às 13.30.  Fisicamente era alto, 1,75, magro e um pouco tendente a curvar-se. A cor da sua pele era entre o branco e o moreno, cabelo liso e normalmente apartado ao lado.Teve uma educação vulgar de liceu, depois foi mandado para a Escócia para estudar engenharia , primeiro mecânica e depois naval. Fernando Pessoa escrevia em nome de Álvaro de Campos quando sentia um súbito impulso para escrever e não sabia o quê.




Na carta:
"Se eu fosse mulher — na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas — cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança."

"Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos — a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem."


"...Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria..."


"Quando foi da publicação de «Orpheu», foi preciso, à última hora, arranjar qualquer coisa para completar o número de páginas. Sugeri então ao Sá-Carneiro que eu fizesse um poema «antigo» do Álvaro de Campos — um poema de como o Álvaro de Campos seria antes de ter conhecido Caeiro e ter caído sob a sua influência. E assim fiz o Opiário, em que tentei dar todas as tendências latentes do Álvaro de Campos, conforme haviam de ser depois reveladas, mas sem haver ainda qualquer traço de contacto com o seu mestre Caeiro. "


"Foi dos poemas que tenho escrito, o que me deu mais que fazer, pelo duplo poder de despersonalização que tive que desenvolver. Mas, enfim, creio que não saiu mau, e que dá o Álvaro em botão..."


"E, é verdade, um complemento verdadeiro e histérico: ao escrever certos passos das Notas para recordação do meu Mestre Caeiro, do Álvaro de Campos, tenho chorado lágrimas verdadeiras."


"Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1.30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. "


"Álvaro de Campos é alto (1,75 m de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se."


"Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo."


"Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre."


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