terça-feira, 25 de março de 2014

Bibliografia de Eça de Queirós

Bibliografia


  • O Mistério da Estrada de Sintra (1870)
  • O Crime do Padre Amaro (1875) 
  • A Tragédia da Rua das Flores (1877-78)
  • O Primo Basílio (1878) 
  • O Mandarim (1880) 
  • As Minas de Salomão (1885) (tradução) 
  • A Relíquia (1887) 
  • Os Maias (1888) 
  • Uma Campanha Alegre (1890-91)
  • O Tesouro (1893)
  • A Aia (1894)
  • Adão e Eva no paraíso (1897)
  • Correspondência de Fradique Mendes (1900) 
  • A Ilustre Casa de Ramires (1900) 
  • A Cidade e as Serras (1901, póstumo) 
  • Contos (1902, póstumo) 
  • Prosas Bárbaras (1903, póstumo)
  • Cartas de Inglaterra (1905, póstumo) 
  • Ecos de Paris (1905, póstumo)
  • Cartas familiares e bilhetes de Paris (1907, póstumo)
  • Notas contemporâneas (1909, póstumo)
  • Últimas páginas (1912, póstumo)
  • A Capital (1925, póstumo)
  • O Conde de Abranhos (1925, póstumo)
  • Alves & Companhia (1925, póstumo)
  • Correspondência (1925, póstumo)
  • O Egipto (1926, póstumo)
  • Cartas inéditas de Fradique Mendes (1929, póstumo)
  • Eça de Queirós entre os seus - Cartas íntimas (1949, póstumo).


 
Capa do livro Os Maias

Linguagem e estilo de Eça

Os Maias distinguem-se no quadro da literatura nacional, não só pela originalidade do tema, mas também pela destreza e mestria com que o autor conta o romance. De facto, tanto a crítica social, como a intriga amorosa são valorizadas pelo rigor e beleza dos vocábulos utilizados.
Por exemplo, o impressionismo, bem patente, caracteriza-se pela frequência de construções impessoais, uma vez que o efeito é percepcionado independentemente da causa, ficando, portanto, o sujeito para segundo plano; percepções de tipo diferente traduzindo ironia; frequência da hipálage (transposição de um atributo de gente para a acção). Relativamente aos substantivos e adjectivos, a obra de Eça contem muito mais adjectivos do que substantivos.
É frequente o contraste substantivo concreto qualificado com um adjectivo abstracto ou vice-versa.
Os adjectivos tem uma função musical e rítmica completando a linha melódica da frase.
O advérbio toma, em Eça, funções de atributo e a sua acção alcança o sujeito ou o objecto. Assim, Eça ampliou o número de advérbios de modo que a linguagem proporcionava, derivando-os dos adjectivos.
O verbo oferece a alternância dos seus sentidos - próprio ou figurado, e o escritor tem de escolher um ou outro. Estes podem invocar conceitos subjectivos múltiplos sem deixarem, por isso, de descrever aspectos das coisas.
Eça utiliza o estilo indirecto livre. Este tipo de discurso permitia-lhe: libertar a frase dos verbos muito utilizados e da correspondente conjugação integrante (ex.: disse que); permitia-lhe, também, aproximar a prosa literária da linguagem falada; conseguia impersonalizar a prosa narrativa dissimulando-se por detrás das suas personagens.
N' Os Maias, existem em maior ou menor grau todos os níveis de linguagem. Da linguagem familiar à linguagem infantil, popular e também neologismos (ex.: Gouvarinhar). Esta obra é muito rica em figuras de estilo, o que lhe concede um cunho particularmente queirosiano. Aliterações, adjectivações, comparações, personificações, enchem Os Maias do início ao final da obra.
Vejamos, então alguns dos processos pelos quais Eça conseguiu uma grande força evocativa, num verdadeiro magnetismo das palavras:


  • Adjectivo expressivo
A adjectivação é em Eça um poderoso agente evocativo, reflectindo a maneira estética de ver a realidade e dando origem a uma linguagem precisa e ao mesmo tempo aberta à imaginação. Exemplifiquemos:

a) Adjectivação imprópria
"Amaro, com o odioso guarda-chuva entre os joelhos"
. Note-se que o adjectivo odioso, aplicado a guarda-chuva, tem a intenção de atingir Amaro (Hipálage). O mesmo se verifica na frase: "Propício tem um leito de ferro filosófico e virginal".

b) Adjectivação animista ou prosopopeica
"A pressa esperta e vã dos regatinhos e todas as contorções do arvoredo e o seu resmungar solene e tonto". "Os velhos carvalhos violentos e proféticos, os choupos desfalecidos, onde o vento vaga aflito..."
Com esta fusão do mundo físico com o moral, tão do agrado de Eça, a natureza ganha vida e solidariza-se com o homem. Veja-se também o animismo presente na descrição do Ramalhete e espaço circundante (página 710).

c) Adjectivação hiperbólica
"Era uma velha hedionda..." "...as suas digestões monstruosas..." "Caminhou para ela com passos marmóreos que faziam oscilar o tablado".
Estes exageros dão-nos, no geral, imagens caricaturais, burlescas.

d) Adjectivação antitética
"Ela mostrava o seu lindo espanto" (fingia-se espantada para mostrar a sua beleza).
"...ri num doloroso riso deste mundo burlesco e sórdido".
Estes grupos antitéticos exprimem a síntese de sensações contraditórias.

e) Adjectivação de linhas imprecisas
"Abria um olho vago..." "...uns sons de piano dolente e vago".
Eça emprega centenas de vezes o adjectivo vago, para criar um ambiente de mistério.

f) Adjectivação binária ou dupla adjectivação
"Salomé dançou nua e deslumbrada". "Os olhos do gato fixaram-no fosforescentes e aterradores".
De notar, nos dois pares, que o primeiro adjectivo exprime uma característica física e o segundo, moral. Trata-se de percepções duais, são as duas faces da realidade.
"Aquela mulher que qualquer podia ser, sobre um sofá, fácil e nua". 
Aqui já é o primeiro adjectivo que exprime uma nota subjectiva e o segundo, objectiva.

g) Adjectivação adverbial
"Adélia fumava um cigarro lânguido".
O adjectivo lânguido liga-se a Adélia (lânguida) e à acção de fumar (languidamente).



A colocação do adjectivo obedece não apenas ao sentido, mas também ao ritmo da frase.
Na frase "Ela mostrava o seu lindo espanto", o adjectivo vem antes do nome, adjectivação anteposta, porque o que pretende realçar é a beleza que o espanto confere à senhora; mas na frase "via moverem-se ali mil figuras voluptuosas e sinistras, trágicas, disformes, irónicas, apaixonadas, ciosas e lívidas", a sequência dos adjectivos já obedece mais ao ritmo da frase.
Na adjectivação binária é vulgar colocar um adjectivo antes e outro depois do nome, adjectivação anteposta e posposta): "vago sorriso exausto", em vez de "vago e exausto sorriso", ou de "sorriso vago e exausto".

  • Advérbio expressivo
Como palavra volumosa que é, o advérbio de modo serve admiravelmente o ritmo e a musicalidade da frase: "Falou de si constantemente, irresistivelmente, imoderadamente". Tem além disso, como como o adjectivo, um grande poder sugestivo, como se pode ver pelas seguintes modalidades:

a) Advérbio impressionista
"Quando entrava no café toda a gente se curvava palidamente sobre o periódico" (o advérbio atinge o sujeito e a acção: curvava-se e empalidecia).

b) Advérbio metafórico (de uso impróprio)

"Não ousava fumar no café... devia recolher-se virginalmente à noitinha (como se fosse virgem).
"...foi levá-lo preciosamente a Coimbra" (como se fosse uma coisa preciosa).





c) Advérbio de efeito cómico

"Beatas com grossos rosários enfiavam gulosamente para a Igreja"; "estava sentado na chaminé cuspilhando tristemente para as cinzas".
O cómico está no facto de o advérbio gulosamente (que se refere sempre ao material, à comida) estar aqui ligado ao espiritual (Igreja); e o advérbio tristemente (que em si denota o psíquico) estar aqui ligado a cuspilhando (acção grosseiramente material).





d) Advérbio aliado ao objectivo

"Carlos achava esta palavra melancolicamente estúpida" (melancólica e estúpida).

"horrivelmente bem falante" e "atrevidamente tímida" (antitético em relação ao adjectivo).

"cabelos magnificamente negros (superlativação).


e) Advérbio antitético do verbo
"Dâmaso sorria também lividamente"

"O grande Dornan mamava majestosamente um imenso charuto". Note-se que o advérbio majestosamente, que sugere a ideia de dignidade, se liga precisamente à forma verbal mamava que no contexto aponta para uma atitude burlesca.

  • Verbo expressivo
O verbo surge não apenas como enunciador da acção, ou como elemento de ligação, mas também como metáfora, criador de um ambiente de fantasia e de mistério, ou conotador do burlesco, como se poderá constatar nas seguintes modalidades:

a) Verbo expressivo por fugir ao trivial, ao usado
"Maurício atirou um gesto desdenhoso e largo que sacudia o mundo".
"André ondeou um gesto de desconsolo".
Há a tendência de pôr de parte os verbos já gastos de elocução, como dizer, exclamar, responder, banindo-os no discurso directo: "Julião coçou convulsivamente a caspa e erguendo-se:
- Está muito bom, está muito bom, conselheiro"; ou suprimindo-os, também, no discurso indirecto livre:
"Ega contava com Carlos para lhe fornecer esses requintes, ali no Ramalhete...
- Há cá um quarto para mim? Eu por ora estou no Hotel Espanhol, mas ainda nem mesmo abri a mala...
Decerto! Havia o quarto em cima, onde ele estivera depois de deixar a vila Balzac".
Este último parágrafo é a resposta de Carlos e discurso indirecto livre, suprimindo-se:Carlos respondeu que decerto...

b) Verbo de tom cómico e caricatural

"...o sacristão bramiu um requiem tremendo";
"A tia Patrocínia uivou de furor";
"Madame F. apagou o riso toda séria";
"...é um bárbaro besuntado com literatura do séc. XVIII..."

c) Verbo de valor hiperbólico

"Uma formidável moça de enormes peitos entrou esmagando o soalho..."

d) Verbo sugestivo por dele dependerem dois elementos antitéticos, um físico, outro moral: "Rufino reluzia todo de orgulho e de suor".

  • Uso dos tempos verbais
Eça na sua fase realista/impressionista via a realidade no seu constante fluir. Daí a supervalorização do imperfeito verbal, o tempo do devir inacabado. Com a mesma intenção valorizou também a gerúndio, que igualmente exprime a continuidade, o fluir. A linguagem torna-se assim mais impressionista, mais cinematográfica, criando no leitor a ilusão do deslizar dos acontecimentos, da continuidade da vida. O imperfeito é o tempo usado precisamente no discurso indirecto livre, que constitui uma das inovações mais notáveis da prosa de Eça, libertando a frase de verbos declarativos, aproximando-a da linguagem falada, quebrando a monotonia do discurso directo/indirecto e permitindo ao narrador dissimular-se por detrás das personagens por meio da focalização interna.
  • A frase
Eça de Queirós prosseguiu o trabalho de modernização da prosa portuguesa, já começado por Garrett. Assim. e tal como ele, evolucionou para o uso das frases curtas, para a preferência da ordem directa, para o tom oralizante do diálogo e para a variedade de discursos com a vulgarização do discurso semi-indirecto ou indirecto livre.
Eça, na sua contínua luta por conseguir uma forma de expressão bela e expressiva, debateu-se perante uma antinomia, balançando-se entre dois pólos: o Realismo/Naturalismo e o Parnasianismo/Simbolismo (que nesse tempo já vogorava na França). É o que ele exprimia por esta frase que foi o seu lema de artista: "Sobre a nudez forte da verdade (realismo), o manto diáfano da fantasia" (simbolismo).